You don’t know death


(Este post não é uma apologia ao suicídio)

O que significa estar vivo? Para mim é respirar. Enquanto a minha respiração estiver ativa o meu coração continua batendo, o meu pulmão continua filtrando o meu ar, o meu cérebro continua mantendo o meu raciocínio forte. A morte significa o cessar da respiração. O meu coração já não bate mais, meu pulmão não recebe nenhum oxigênio, o meu cérebro não é capaz de relacionar as linhas de pensamento. É o fim, o fim da natureza desenvolvida dentro de mim.


Mas e quando respirar se torna um fardo, uma tristeza, uma dor incessante? Quando a vida se torna nada mais que uma dor constante em manter a respiração ativa? Não cabe aqui falar em dificuldades que valem ser superadas, mas dores que são irreversíveis e que não tem previsão para acabar a não ser que a respiração cesse. Não é debilidade ou perda funcional de alguma parte do corpo, mas uma dor que arma diariamente uma guerra contra você.

O filme da HBO “You don’t know Jack” retrata a luta de um médico a favor do que o Estado e o Judiciário insistem em intitular de eutanásia – o que eu e Jack chamamos de assistência médica em horas de grande dor e debilidade. O filme tem como protagonista o inconfundível God Father Al Pacino com uma aparência pouco convencional para o seu estilo a la “Perfume de Mulher”.

Sem fazer spoilers o enredo do filme é todo em torno dos pacientes ao qual o Dr. Jack Kevorkian prestou uma consultoria de morte. Desta forma Jack ajudou centenas de pessoas a lidarem com as doenças terminais, ao que os defensores do Estado chamaram de suicídio assistido. Dr. Jack gravou os seus pacientes que incessantemente declararam não aguentar mais e que queriam “acabar logo com isso”.  Atenção: filme de uma história verídica.

O filme me fez refletir em como a nossa sociedade discute pouco a morte sobre a óptica de ser ela uma escolha de cada um de nós.  Na mídia a morte é sempre vista como uma tortura ao qual estamos fadados a experienciar de uma forma mais ou menos trágica. Observando os noticiários sempre nos preparamos para uma morte trágica, porque viver tornou-se uma dificuldade a cada dia com tantos ataques de loucura, violência, tecnologia, trânsito e tudo mais. O que mais me enlouquece é que mesmo com tanta loucura nos dias atuais, decidir morrer é encarado pela sociedade como insanidade, um tabu, uma falta de respeito a todos os seres humanos.

Analisemos: ser espancado e esquartejado é brutal, um absurdo, uma tortura. Optar voluntariamente pela morte é loucura, ceticismo, inconcebível. Esse paradoxo se estabelece mais ainda em uma sociedade arraigada na cultura religiosa e desvencilhada da filosofia. No Brasil, que por lei é um País laico mas que os abusos religiosos estão arraigados nos superiores tribunais que cultuam em seus auditórios o crucifixo pregados em suas paredes, lidar com essa questão é uma afronta a sociedade.

Certamente só consegue opinar de forma racional sobre esse assunto quem um dia foi desafiado a questioná-lo sem religiosidade, sem doutrinas, apenas usando de filosofia e questionamentos sobre a vida e a morte. Na época de Sócrates (469-399 a.C)  filósofo era considerado aquele que sabe morrer, pois o objetivo da filosofia seria preparar a humanidade para uma boa morte, em grego “eutanásia”. É isso, saber a hora de morrer, é tão louco assim? Tão absurdo?

Dostoiévski (1821-1881) sabiamente disse que “O segredo da vida não é viver, mas ainda encontrar motivos para viver”. Seja em plena faculdade mental e saúde física, ou debilitado por dores incessante e terríveis, o segredo da vida vai continuar sendo encontrar o motivo, a razão que nos mantém vivos. Não estou dizendo que sou a favor dos famosos casos aqui em Brasília dos jovens do Pátio Brasil, ou de quem tira a própria vida e a vida de outras pessoas devido a sua religião. Apenas digo que é fundamental para a nossa vida saber o que nos mantém vivos, é essa a interpretação que cabe a este parágrafo.

Declaro aqui que se um dia a minha dor física for maior que a minha vontade de viver eu saberia a hora de morrer e com certeza ia querer uma assistência médica para este fim. Mas essa é a minha bioética. Se alivia a cabeça dos obtusos sou protestante, acredito em Deus e acredito que exista um céu e um inferno.  Digo mais, se minha mãe ou meus irmãos um dia em condições de doença terminal me pedissem a eutanásia eu correria atrás.

Não se espante, isso não é um absurdo. Se alguém muito próximo de você estivesse sofrendo cada dia mais, e muito debilitado, você recorreria a sua religião pedindo para que essa dor cessasse , fosse por um milagre ou pela morte não é? Provavelmente sim, ou definitivamente não. Esse assunto é de uma dualidade incrível e por isso quem não costuma pensar em assuntos como esse opta pela decisão da maioria. Essa atitude não é condenável.

Bem, o que quero tanto debater não é se você acha correto ou não, mas sim o jeito que se discute morte nos dias de hoje, porque simplesmente ela não é discutida. Não se discute a própria morte, mas sim a morte alheia. É fato que a morte é certa mas o seu tempo incerto, e sendo assim a discussão pode ser cíclica, mas há opções de tempo, não é?

O que acredito é que como Epicuro (341-270 a.C)  dizia a filosofia tem funções terapêuticas que libertam o ser humano das perturbações : “Deves servir a filosofia para alcançar a verdadeira liberdade”. Está mais que na hora de discutirmos de forma livre a morte e com ela pode ser encarada em pleno século XXI.  É hora de analisar como um todo e ver que há excepcionalidades a este argumento apresentado pela autora, como o caso de Jean-Dominique Bauby, autor de O Escafandro da Borboleta que, mesmo trancado dentro de si, não desistiu e escreveu seu livro utilizando só o piscar do olho esquerdo.


Ana Paula Bessa
Voltando a filosofar

PS: Peço desculpas se ofendi alguém com as minhas exposições acima, minha intensão é apenas elucidar os pensamentos relacionados a morte. Este post não é , de forma alguma, uma apologia ao suicídio. 

3 comentários:

Aline Valek disse...

Ótimo post, de uma questão crucial.

Como você disse muito bem, não discutimos a morte, apenas pensamos na morte dos outros, vemos isso na mídia como algo terrível a acontecer.

Acho que estar bem resolvido com a própria morte é algo que muitas pessoas passam a vida toda sem conseguir. E quando morrem, inevitavelmente será trágico. Afinal, as coisas podem ser menos terríveis quando você aceita que esse é o destino final de todo ser humano.

E nas vezes que parei para pensar, refletir e discutir sobre isso, percebi que a morte é mais dolorosa para quem fica do que para quem de fato morre. Então penso que quando chegar a minha vez não vai ser assim tão mal, né.

Quanto à Eutanásia, acredito que possa ser sim uma decisão consciente, uma alternativa para quem não deseja sofrer, diante de uma morte inevitável. Acho que todos devem ter o direito de morrer de forma digna quando tem essa opção. E vamos combinar que esse tipo de morte, assistida, sem sofrimento, é um privilégio, já que o mais normal é morremos de forma inesperada, trágica, muitas vezes tendo nossa vida arrancada de nós sem o nosso consentimento, e pelos motivos mais banais.

Ainda não assisti esse filme, mas vai pra minha lista. Acredito que seja uma ótima oportunidade de refletir sobre esse assunto que talvez só assalte nossa mente quando já é tarde demais...

Grandes beijos!

Anônimo disse...

Concordo. Acho que tem um nome pra essa dor que você cita aí no texto, tão forte, incurável, e que só o fechar dos olhos pra sempre pode curar: a dor da alma.

Priscila disse...

Muito legal seu texto, concordo com seu ponto de vista. Me surpreendi por você ser protestante. Gostaria de mais protestantes com sua racionalidade, sabendo separar religião das questões sociais, pessoais. Muito bacana! :)

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